segunda-feira, 13 de abril de 2009

45 anos de "Ditabranda" no Brasil - Anos de Chumbo, agora, são "Anos de Algodão"?












Foi publicado no dia 17 de fevereiro, deste ano, pela Folha de São Paulo, uma matéria falando sobre os esforços de Hugo Chávez para se manter no poder na Venezuela, a edição escreveu o seguinte absurdo:

"Mas, se as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente."


"Ditabranda"? Só faltou falar que entre 1968-1974, considerado os Anos de Chumbo (por ter sido o período de maior repressão), o Brasil viveu "Anos de Algodão". Editores infelizes, ao criarem essa expressão que acaba passando uma borracha nos duros anos vividos pelos brasileiros entre 1964-1985. Essa edição da Folha criou uma grande polêmica e gerou manifestações contra o trocadilho "ditabranda", que poderia ter passado despercebido, se não fosse o significado que está por traz da "inocente" expressão. Esta expressão significa a defesa de algo indefensável (o Golpe de 1964) e, com isso, corre-se o risco de deixar esquecido na história episódios de violência contra os Direitos Humanos no Brasil. A palavra despertou o sentimento de revolta pelas milhares de vítimas (torturadas, mortas, desaparecidas) durante esses anos nebulosos da história do Brasil. Foi mais que um eufemismo, isso foi um desrespeito às famílias das vítimas, que ainda sofrem pela perda de seus entes queridos. No mínino esses jornalistas esqueceram as torturas aplicadas em presos políticos, esqueceram que seus próprios colegas de profissão, na época, não podiam editar seus textos antes de passar pela censura, e, muitas vezes, tinham que suprimir palavras ou frases que desagradavam os "Senhores" do Regime. Eles esqueceram que foi o momento mais sangrento da história do nosso país.


Encontrei um depoimento que mostra a revolta de um parente da vítima da "ditabranda":

"Há, em minha família, pessoas que trazem nos corpos e nas mentes as seqüelas das torturas dos assassinos do DOPS e do governo militar. E estas pessoas que amo, por sua vez, perderam muitos amigos naquele período. Como a Folha se atreve, por qualquer motivo que seja, a usar o adjetivo "branda" em relação à sangrenta ditadura brasileira? Tivesse o autor deste texto imbecil ficado pendurado num pau-de-arara por horas, tivesse ele levado choques nos genitais por dias, tivesse ele experimentado a agonia de um arame quente enfiado em sua uretra, tivesse ele sentido as unhas se despregando da carne, tivesse ele visto amigos morrendo sob pauladas, tivesse ele corrido o risco de ter o corpo descartado como lixo no mar ou enterrado em cova rosa como um cachorro sem dono, tivesse ele sentido dezenas de cigarros sendo apagados em sua pele, tivesse ele experimentado o pavor do afogamento em um tonel repleto de água, tivesse ele ouvido as companheiras sendo violentadas por torturadores ou sodomizadas com cassetetes, tivesse ele um mínimo de respeito para com quem passou por tudo isso, não escreveria uma barbaridade dessas. Ou, tendo escrito, se retrataria imediata e publicamente pelo absurdo cometido." (Diário de Bordo, by Pablo)


A carta a seguir é uma das centenas de cartas de manifestação, feita por intelectuais acadêmicos contra a Folha de São Paulo e o seu neologismo "ditabranda":

"Mas o que é isso? Que infâmia é essa de chamar os anos terríveis da repressão de 'ditabranda'? Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar “importâncias” e estatísticas. Pelo mesmo critério do editorial da Folha, poderíamos dizer que a escravidão no Brasil foi “doce” se comparada com a de outros países, porque aqui a casa-grande estabelecia laços íntimos com a senzala - que horror!” MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES , professora da Faculdade de Educação da USP (São Paulo, SP)


Caros leitores, não podemos deixar que a "ditabranda" chegue aos livros didáticos ou que seja cristalizada na memória das nossas crianças e jovens. Não podemos esquecer das barbáries cometidas e nem permitir que daqui a alguns anos a Ditadura seja definida como uma "forma controlada de disputas políticas e acesso à Justiça", como disse a Folha de São Paulo.

por Vilane Vilas Boas Rios

Um comentário:

Bruno Sampaio Pinho disse...

interessante demais essa postagem, incrível como alguém pode chamar essa época horrível de nossa história de "branda"...
bjão, Vi!!